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As escolhas na Psico-Oncologia em tempos de pandemia



Tocar as mãos, acolher a dor psíquica com o toque firme da mão. É talvez um dos gestos mais fortes e mais simbólicos de um psicológo hospitalar. No contexto da Psico-Oncologia, no qual muitas vezes não são as palavras, mas as mãos que expressam e acolhem dores emocionais esse gesto, suprimido, faz imensa falta.
Os pacientes oncologicos, aqueles que estão em quimioterapia ou radioterapia, tem sistemas imunológicos mais frágeis, mais vulneráveis. Esse aspecto potencializa suas angústias em tempos de um vírus que sufoca o pulmão e a alma.
Viver com câncer já os faz muitas vezes viver com uma ampulheta colada no rosto, com um fantasma mortífero, denso, pesado. E aquilo que trazia antes conforto, as minhas mãos, as mãos da psicóloga que os atende, agora traz pânico.
As mãos do médico, da enfermeira, não são mais colo, são medo.
E não tem sido fácil superar o medo, a preocupação de não ser agente de contaminação dos pacientes que atendemos no contexto oncologico. Há como que um muro, no qual subimos: sentamos no topo para decidir entre apoiar psiquicamente aquele que sofre ou prezar pela sua sobrevivência.
Há quem diga que o psicológo segura a mão do outro com o ouvido. Eu diria que seguramos com o ouvido, com as mãos e agora necessariamente, com a distância afetuosa que assegura a vida. Presença distante que espera.

Flávia Andrade Almeida, Psicóloga Hospitalar, Especialista em Psicologia da Saúde, Psico-Oncologia e Prevenção do Suicídio. Mestre em Filosofia, administradora da página Psicologia e Prevenção do Suicídio.  Psicóloga Hospitalar num centro de Oncologia.

Comentários

  1. "Presença distante que espera." Ótima colocação num texto pertinente e cuidadoso, que toca à distância.

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