Pular para o conteúdo principal

A questão da finitude e a atuação em Cuidados Paliativos - Breve relato de experiência


A questão da finitude e a atuação em Cuidados Paliativos - Breve relato de experiência

A  questão de como conviver com a iminência da morte gera muita perplexidade nas pessoas. Acho curioso, porque é como se o próprio viver não fosse a iminência da morte. Como se um dia vivido não fosse um dia a menos na nossa conta dessa chance única que temos chamada vida.
Ainda que se tenha um pensamento confortado pela religião essa chance com esta existência e  toda singularidade nela implicada, é sim uma chance única. Talvez isso explique o quanto nos esforçamos para aproveitar as pequenas grandes coisas nos momentos em que nos damos conta da efemeridade da existência.
A morte, ou a iminência dela, talvez seja tão dolorida porque nos lembra que só temos uma chance. Uma tentativa que é erro também, erro é aprendizado, construção de cada história. E sempre é dolorido quando um querido vai embora. Porque quando se parte jovem, pensamos no que poderia ser. No "e se" perdido, um certo "desperdício" que não compreendemos. Quando se vai já velhinho, pensamos na grande perda, também em razão da grandeza que foi aquela alma viva, compartilhando conosco sua grandeza. Nos sentimos menores quando um grande se vai. Mesmo os que se vão depois de se tornarem imortais, nos causam espanto e tristeza. Não compartilhamos mais o mesmo ar, as mesmas estrelas. Perdemos o acaso de esbarrar nossos grandes admiráveis por aí.
É dolorido estar de ambos os lados. O de quem perde e o de quem apoia aquele que se despediu. A morte pode ser triste (e de fato é triste, especialmente para quem fica) mas ela nos lembra que a vida é o tempo presente. E isso não é mórbido. É condição de possibilidade. É bonito demais poder contar com apoio, acolhimento e carinho, na proximidade da partida. Cercamos o nascimento de cuidado,  mas o momento da despedida também merece esse olhar, atenção e assistência. E conviver com essa rotina é, sobretudo, uma escolha afetiva.

Esse é um relato inspirado na minha experiência hospitalar em Psico-Oncologia/Cuidados Paliativos

(Flávia Andrade, Psicóloga Clínica e Hospitalar Especialista em Psico-Oncologia e Prevenção do Suicídio)


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Precisamos falar sobre Suicídio (suas estatísticas) e sobre adolescência

Precisamos falar sobre Suicídio (suas estatísticas) e sobre adolescência As recentes notícias do Suicídio de adolescentes em colégios tradicionais de São Paulo deixaram a todos absolutamente perplexos. É estarrecedor e muitas vezes dolorido falar sobre esse assunto e mais ainda quando de tratam de jovens. Cabem antes então, algumas contextualizações. O  tema do Suicídio vem sendo debatido com maior destaque nos últimos anos, especialmente após o início da campanha "Setembro Amarelo", a qual é parte de um amplo e necessário esforço no sentido de prevenção. Suicídio é hoje uma questão de saúde pública; discutido na comunidade médica, científica e no âmbito da Saúde em geral. A OMS divulga há anos um vasto material sobre o tema, com informações sobre conceitos e formas de lidar com a questão, em si, tão complexa. Suicídio é considerado por muitos um assunto tabu. É tema de reflexão e debate de sociólogos, médicos, psicólogos e outros profissionais que se debruçam sob

A morte enquanto tabu

É bastante corriqueiro nos nossos dias ouvir que a morte é um tabu, aquilo sobre o que não se quer falar, ou antes, aquilo sobre o que não se quer pensar. Vemos o quanto a morte está nesse lugar de tabu, do interdito, por exemplo, quando notamos ser corriqueiro que se escondam as mortes das crianças, quando se evita a presença destas em hospitais, UTI’s e funerais. Como se a criança não pudesse, psiquicamente, elaborar o fato, inevitável, de sermos todos, (inclusive elas), mortais. O historiador francês Philippe Ariès, conhecido por seus estudos históricos sobre as representações sociais da morte, nos revira um pouco de nosso modo naturalizado de entender a morte. Em um de seus estudos, ele remonta as representações sociais da morte antes do século XVIII, fazendo ver que, na sociedade ocidental, a morte nem sempre foi tratada como tema censurado. Ariès assinala que antes do século XVIII a morte já havia sido uma “morte domada”, ou seja, um fenômeno parte do cotidiano. N

Como ajudar um enlutado por suicídio? - por Flávia Andrade

Como ajudar um enlutado por suicídio? O luto é considerado uma reação humana a perda de algo existencialmente significativo, seja um ente querido ou o rompimento de algum laço afetivo, por exemplo. Donald Woods Winnicott, psicanalista inglês, considerava o luto como um processo de transformação, uma espécie de transição de uma dor psíquica muito profunda, até uma forma de nostalgia. Em outras palavras, a dor intensa da perda, vai, com o tempo de cada um, de cada sujeito, sendo substituída por saudade, por lembrança. Para Winnicott é necessário e absolutamente saudável, do ponto de vista psíquico, vivenciar o luto, chorar a dor da maneira com que cada um, singularmente, a sinta. Os limites emocionais são absolutamente individuais e, em decorrência, a dor do luto e a maneira de expressar essa dor, também é absolutamente individual. Não cabe portanto, comparar dores ou minimizar a dor do outro, menos ainda julgar essa dor. No caso de luto por suicídio, justamente pelo que o